Aprendendo a experiência
- achusterblog
- 16 de fev. de 2022
- 37 min de leitura
Atualizado: 26 de out.

Comentários de Arnaldo Chuster
A Teoria do Pensar teve como desdobramento a formulação de uma teoria do inconsciente com características autorais próprias. Esta teoria é apresentada em Aprender da Experiência. Poucos autores, depois de Freud se aventuraram nesse tipo de jornada.
Trata-se do inconsciente de acordo com Bion, e o desenvolvimento deste desafio de pensamento é o segundo passo após sua releitura do mito de Édipo. Essa releitura, ao colocar problema metafísico central da psicanálise dentro do contexto de uma ética trágica (Sobre Arrogância), estabelece que a questão central da psicanálise é a busca de uma da verdade inatingível_ e foi essa impossibilidade que levou a formulação de uma teoria psicanalítica do Pensar. Ou seja, diante da impossibilidade a única coisa que resta a fazer é criar, e como o que mais se cria na mente são pensamentos, uma teoria do pensar é um desdobramento natural para quem pensou a psicanálise por esse vértice.
A Teoria do Pensar de Bion estabeleceu o caminho da ética trágica para a prática psicanalítica, ou seja, a prática se pauta pela criação na vida mental.
Para acompanharmos a formulação de uma nova teoria do inconsciente, e conferir a verdade dessa afirmativa, é necessário destacar os problemas envolvidos na formulação de uma teoria do inconsciente.
Em primeiro lugar, nos defrontamos com o mesmo problema da filosofia e, de certa forma, da religião. Isto é, em certo sentido, o problema da existência de uma verdade inacessível e inefável é semelhante ao indagar da existência de Deus, ou, mais especificamente, indagar filosoficamente o que Kant chamou de coisa em si. Esse é um dos problemas básicos nos conduz desde os impasses e dificuldades da apresentação freudiana do inconsciente até a solução apresentada por Bion.
Em Learning from Experience, podemos considerar que a base prática do texto se resume à experiência de aprender com existência do inconsciente. Esse aprendizado é a experiência emocional, conceito formulado através de uma escrita específica de vínculos (K, L, H): conhecimento (K), amor (L), ódio (H). Note-se de imediato que os três vínculos formam um triângulo, ou melhor, o triângulo edípico sem seus personagens habituais. Trata-se do triângulo edípico estabelecido com o maior grau possível de abstração: a existência da mente humana, desde sempre, como uma mente tridimensional.
Nessa proposta de compreensão, indagaremos com as ideias de Bion, as origens da mente humana. Essas origens estão conectadas intensamente ao conceito de neotenia, que possibilitou a evolução da espécie pré-humana para a espécie humana. Embora, Bion nunca tenha mencionado tal conceito, não havia surgido na época em que escreveu o texto, as ideias que ele formulou se encaixam perfeitamente. Então, podemos dizer que ele as intuiu.
A neotenia significa uma solução evolutiva de sobrevivência da espécie, que fez com que os bebês fossem nascendo cada vez mais imaturos, o que teve como consequência a diminuição da influência de fatores inatos e o aumento da capacidade para aprender da experiência. Em outras palavras, ao contrário de todas as espécies animais, o ser humano nada sabe do que precisa para levar sua vida. Tem que aprender tudo, e o que mais aprende está ligado à capacidade para pensar que provêm da sua relação com a função da mãe. A neotenia, ou a mente sempre aberta ao aprender, permitiu o nomadismo, e este fez com que a espécie se espalhasse sobre a face da Terra se adaptando a qualquer lugar.
Além disso, a neotenia gerou o social, ao fazer com que a mãe se conecte ao pai, que por sua vez se conecte a ela como casal, o casal à família, a família à sociedade, e a sociedade como um corpo que está em eterna busca de mentes criativas capazes de dar melhores soluções que protejam a cadeia, ou melhor, o looping complexo e autopoiético, que se constitui o corpo social, habitat do ser humano que imigrou definitivamente para aí da Natureza.
A única coisa que o ser humano manteve de inato, além da sua forma física, é a informação genética de buscar uma mente para sobreviver. O conceito de pré-concepção usado por Bion contempla as ideias até aqui descritas, uma vez que se constitui como uma função psíquica com o elemento inato sendo a busca de uma mente e o elemento variável o que depende da experiência para compor o aprendizado de vida.
Portanto, não se trata, mesmo que a própria expressão sugira, de nenhum processo racional de aprendizado, ou de pedagogia, embora formule uma lógica que atende ao “aprender a pensar” o que, paradoxalmente, começa pela experiência emocional de tolerar a ausência de pensamentos (estado que Bion observou como intolerável para a parte psicótica da personalidade).
À primeira vista, a existência do inconsciente não é evidente, no sentido da evidência comum requerida pelas ciências em geral. Ou melhor, o inconsciente não está disponível para o aparelho sensorial humano, apesar de causar impressões sensoriais e físicas. Assim, ele não pode ser deduzido como o seria um objeto de certeza sensível, nem sua existência pode ser induzida experimentalmente como ocorre numa reação química.
O inconsciente não tem aparecimento linear, nem pode ser deduzido através de uma fórmula, ou de observações como as astronômicas que descobrem planetas invisíveis pelo efeito que causam na órbita de outros astros visíveis. O inconsciente não é um sistema físico como a eletricidade (embora muitas pessoas se refiram a ele como uma “energia” e, aplicam para compreendê-lo leis da eletromecânica ou de eletromagnetismo- o próprio Freud empregou leis da termodinâmica). O inconsciente, se é que podemos dizer algo verdadeiro sobre ele, é uma espécie de indeterminação que incide sobre problemas particulares – no caso, comportamentos e modos de pensar – e, que aparecem para a psicanálise dentro de uma prática específica criada por Freud.
No início do texto, Bion seguindo uma das proposições fundamentais da sua Teoria do Pensar consulta a matemática e descreve as manifestações do inconsciente através de uma função que é o pensar e, os pensamentos como fatores dessa função. Ocorre, portanto, uma delimitação do campo e a abertura para buscar e discutir os princípios epistemológicos que regem esse campo.
Nesse sentido, os termos função e fator estabelecem a noção geral de vínculo onde existe uma relação continente/conteúdo, em que de um lado temos o pensar de um sujeito e, de outro lado, os pensamentos desse mesmo sujeito tal como nos é dado a observar.
Podemos indagar por que Bion escolheu especificamente esses dois conceitos de lógica matemática: função e fator. Existe algum conceito prévio na Teoria do Pensar que sugere a aplicação desses conceitos seguindo o referencial da matemática pura e aplicada? A resposta é a pré-concepção. Ela pode ser formulada em termos de função e fator ψ (ε).
O uso da lógica matemática função e fator parece à primeira vista produzir diversas dificuldades, pois, ainda que coerente com as proposições da teoria do Pensar, Bion precisa fornecer um sentido mais além da matemática, isto é, um sentido psicanalítico. Não se pode dizer que tal sentido seja algo além de uma “poesia” psicanalítica, ou seja, uma forma bem específica de linguagem, embora o sentido fundamental existe tanto na matemática como na poesia: o critério de precisão na comunicação e na busca da verdade.
No geral da ciência, se tomarmos, por exemplo, algum comparativo, como na química ou na física, a determinação é objetiva e nada altera o próprio conhecedor em sua subjetividade. Mas não é isso que ocorre com o inconsciente. Não se pode dizer que o inconsciente possa ser conhecido por alguém sem antes sê-lo por ele próprio. Como foi descrito pela Mecânica Quântica, devemos dizer é que o observador altera o fato observado, e vice-versa, num tipo de relação descrito como princípio da Incerteza.
A Incerteza nos leva a despreocupar da comprovação puramente objetiva e coloca questões éticas que se destinam ao aperfeiçoamento das observações através de linguagem em busca de precisão, o que mais una vez está mais do lado da ordem poética.
Em termos gerais, o campo do inconsciente, no sentido pleno do termo, incognoscível e inefável, acha-se numa relação de distanciamento essencial com o fenômeno da consciência, e esse distanciamento é marcado somente no nível da subjetividade. Mas a subjetividade daquele que proclama conhecer é a consciência. Assim é difícil ver como o inconsciente poderia, nessas condições de uma subjetividade tão singular, dar-se numa evidência que satisfaça critérios gerais da ciência comum. A consciência é muito lenta quando vai atrás do inconsciente, este sempre um passo à frente, desafia a validade das interpretações que tentam apreendê-lo.
Portanto, seguindo o princípio ético-estético da Incerteza, em primeiro lugar, o inconsciente é a hipótese do inconsciente, o que nos leva mais uma vez ao campo ético do que ao campo ôntico. Pois, se é preciso tentar estabelecer a existência do inconsciente para uma pessoa em particular, através da verificação de uma hipótese que fala sobre a existência do inconsciente afetando sua vida mental e, considerando que essa hipótese determina uma prática que vai atender ao sofrimento mental, torna-se fundamental considerar a ética que conduz o projeto de compreensão e construção dessa hipótese (não é preciso ir muito longe para perceber as implicações graves de uma hipótese que, por exemplo, ignora a existência da dor psíquica e tenta tratar um indivíduo por métodos pedagógicos).
Foi sempre a negação da dor psíquica e o estabelecimento destes métodos disciplinares de pedagogia que criaram fraudes terapêuticas, tal como é a terapia cognitivo comportamental, que imagina de forma perversa poder tratar uma pessoa lhe dando uma tabela de passos a serem cumpridos, uma espécie de agenda racional a ser seguida, tal como se fosse uma disciplina escolar.
Na ciência em geral temos dois métodos dedutivo-científicos possíveis. O primeiro é ceder a uma verificação experimental, como se faz na Biologia. Se a hipótese for verdadeira ela deve possibilitar uma previsão dos acontecimentos numa situação definida. Tal justificação pode ser denominada de a posteriori.
A outra possibilidade é buscar uma fundamentação ou dedução lógica a partir de uma “verdade” que se considera evidente, procedendo então através do raciocínio puro. Uma confirmação deste tipo seria a priori. Foi assim que certos filósofos tentaram estabelecer a existência de Deus, que evidentemente não poderia ser verificada na experiência, e que na verdade foi sempre uma fonte de falácias.
Sabemos que Freud optou pelo primeiro método para confirmar a existência do Inconsciente. Todavia, as provas que Freud forneceu não convenceram ninguém exceto aqueles que já estavam convencidos. Assim, quando se formula uma hipótese do inconsciente é preciso indagar se existe a possibilidade de estabelecer dedutivamente a existência do inconsciente. Mas o que significa este processo, senão o processo psicanalítico? Por isso é preciso responder, se alguém pergunta o que é psicanálise, que só se pode saber verdadeiramente sendo analisado.
Certamente, que temos respostas racionais dizendo que a psicanálise é um método inventado por Freud para investigar a mente inconsciente, mas essa resposta não permite, de fato, saber o que é a psicanálise. Para muitas pessoas, tal afirmativa se reveste de um ar de mistério somente destinado aos iniciados, como eram os místicos que frequentavam na antiguidade grega o culto de Dionísio. O que não foge inteiramente a verdade, se considerarmos que o culto celebrava, sem o saber, a existência do mito de Édipo, e que a psicanálise é o conhecimento da mente humana através da teoria tridimensional da mente edípica.
No desenvolvimento da obra de Bion, o texto Aprender da Experiência, ficou contido entre a Teoria do Pensar baseado na ideia central da pré-concepção (a priori) e o sistema instrumental Grade (a posteriori) que aparece no texto seguinte Os Elementos de Psicanálise. Ou seja, a dedução filosófica a priori que é a pré-concepção faz sentido prático quando se torna através da matemática aplicada um campo que é descrito na Grade. O a posteriori é totalmente relativo ao que se observou na prática, mas marcado pelo nível de subjetividade do observador
Filosoficamente, não podemos desprezar o fato de que objetos matemáticos (sugeridos pela Grade) para Kant devem ter certa relação constitutiva com a experiência geral – devem fundamentar-se num princípio que não poderia ser outro senão uma conformidade primordial entre o Pensamento e o Ser, isto é, uma verdade[1]. Isso é compreensível, já que deve a prática, seja ela qual for, deve permanecer no plano da dedução e do discurso. Mas será que a própria ideia do Inconsciente deixa alguma possibilidade a tal procedimento? Já que dedução e discurso surgem de uma raiz inconsciente, ou que essa raiz se manifesta através deles estabelecendo uma incerteza. Por essa razão Bion passa a falar de objeto psicanalítico, um dos conceitos fundamentais do texto e de toda a obra.
Diante dessa dúvida, é preciso retomar a análise do conceito de Inconsciente, para verificar quais podem ser as outras vias de uma eventual demonstração de sua existência? Deste modo, a insatisfação com a teoria que não consegue abranger determinadas questões clínicas vai ganhando dimensões muito mais complexas. Tais questões não escaparam a Bion e, portanto, tornou-se necessário que ele formule sua própria teoria do inconsciente, distinta de Freud e Melanie Klein? E quais são as diferenças com seus antecessores?
O inconsciente ultrapassa radicalmente o “mundo” conhecido como correlato necessário da consciência (e também daquilo que Freud chama de pré-consciente) – Bion (1965) vai traduzir esse mais além pela ideia de “O”. O inconsciente em Bion vai mais além do inconsciente freudiano enquanto este se identifica com a questão estrutural e dinâmica do reprimido.
Ao mesmo tempo, é no contexto do “mundo” que fatos como a antecipação e a previsão são possíveis. São elementos ligados à intuição. Logo, a prova experimental é contraditória à ideia do inconsciente, já que se baseia numa teoria de previsibilidade impossível de ser comprovada sem continuidade prática. Uma dedução lógica, ou seja, baseada na linguagem, é igualmente impossível à medida que a linguagem é concebida como constituída de signos que exprimem significações e, que a significação e o signo estão intrinsecamente ligados ao mundo. Como ir mais além desse mundo que de certa forma, inevitavelmente, nos restringe?
Bion procura contornar o impasse trazido pelo plano linguístico, pois não tem a seu favor o instrumento da linguística como ciência e, estabelece outro plano, relacionado com a Incerteza do inacessível que pode ser representada na Teoria do Pensar pela pré-concepção, cujas características, como já assinalamos, correspondem abstratamente na escrita aos elementos matemáticos de função e fator.
O limite matemático de expressão, tal como podemos entender a pré-concepção, teoricamente se empregar como hipótese do inconsciente, que é desde logo exigida por qualquer teoria do inconsciente. Isto é, quando se faz a confrontação dessa teoria com o campo filosófico e matemático, ela pode então adquirir um sentido preciso pelo desvelamento das incógnitas e de sua subjetividade com a experiência de cada um. Somente a experiência confirma subjetivamente e singularmente: tal como ocorre quando um paciente diz “ nunca pensei nisso”. O dito pode tanto significar uma concordância, como a expressão de contrariedade por ter sido surpreendido.
O que é dito na prática supõe explicitar que a natureza da psicanálise se compromete intensamente com a concepção do inconsciente utilizada pelo analista. Essa concepção é que pode estabelecer as constantes e necessárias distinções entre ensino e aprendizado.
Em Aprender da Experiência, deve ficar claro que não se pode ensinar nada, apenas a existência da Incerteza, mas, por outro lado, se pode ter experiências de aprendizado, como na arte. Podemos resumir isso da seguinte forma: Para pensar não basta querer, é preciso aprender a pensar. Todavia, só se aprende a pensar esperando o inesperado, ou seja, a surpresa no vínculo. Nesse processo a paciência é quase tudo. Vejamos como esse aprendizado aparece no texto.
São dois os aspectos nodais do aprendizado com a experiência: um concreto e um abstrato. Esses aspectos, a rigor, coincidem com as posições esquizo-paranoide e depressiva, e vão dialogando, oscilando entre si, na formação dos conceitos contidos no texto, até apontar para uma modificação essencial na compreensão da teoria kleiniana. Essa modificação ocorre como se fosse um corte epistemológico fundamental através da introdução do conceito de fato selecionado proveniente do pensamento científico de Poincaré[2].
Poincaré baseia sua concepção sobre o que vem a ser a descoberta e a invenção científica, em um processo criador sobre a "livre escolha" de conceitos e ideias teóricas por parte do pensamento. Essa "liberdade lógica" com relação aos dados factuais se estabelece sobre a crítica humana da indução, sobre a recusa do empirismo puro, e sobre uma concepção da inteligibilidade racional tributária de Kant. Ao mesmo tempo, Poincaré estabelece uma crítica do apriorismo kantiano, sublinhando a proximidade de suas convicções a esse respeito, apesar de suas concepções filosóficas divergentes sob outros aspectos (o que foi chamado de convencionalismo de Poincaré).
Antes de prosseguir é fundamental re-enfatizar como o texto Aprender da Experiência segue os dois aspectos concreto e abstrato e que são as duas questões epistemológicas ligadas a ensinar e aprender:
-Trabalhar com conceitos, teorias psicanalíticas, é algo completamente distinto de estar no processo analítico, sentindo como se manifestam os processos psíquicos – este é o aspecto concreto.
-Ainda há muito a ser feito no nível teórico, tanto para explorar a psique inconsciente, como para compreender a relação entre essa psique e o indivíduo socialmente fabricado (proveniente da instituição da sociedade) – este é o aspecto abstrato.
Ambos os aspectos podem ser articulados numa questão ampla: como essa entidade chamada inconsciente, considerada totalmente a-social, um campo absolutamente egocêntrico, a-real ou anti-real, pode ser transformada pelas ações e pelos continentes instituídos da sociedade, em um indivíduo social que fala, pensa e, pode renunciar a satisfação imediata de seus desejos[3]?
Esta questão, amplamente desenvolvida pela obra de Freud, aparece em Bion pela tese de que a principal característica da organização social são os processos de pensamento. Através do pensar a psique vincula-se a outra psique, constituindo o que conhecemos como Ser social, que habita em uma trama de sonhos, com uma trajetória extremamente complexa e repleta de problemas dolorosos para o ser humano.
O sentido principal do texto Aprender da Experiência sempre é a experiência mental com outro ser humano, nos níveis objetivo ou subjetivo, interno ou externo, e ao mesmo tempo tenta mostrar a fragilidade do ser humano, sua incapacidade para conhecer o mundo no qual necessita sobreviver, derivada da incapacidade para pensar.
Como já foi explicitado, as únicas coisas que um ser humano traz inatamente para garantir a sua vida são as pré-concepções. Estas vão buscar realizações inicialmente através da mente da mãe, a primeira representante do conceito do que significa o outro, e que faz parte de um corpo social. É quando nesse pano de fundo se formam as concepções e estas se transformam em conceitos.
As pré-concepções articulam-se inicialmente e, aparentemente, com um universo restrito: a mente da mãe. Esta precisa levar o bebê ao seio, como fonte de sobrevivência física e emocional. Amamentar é um ato psíquico, um ato de vontade, e por isso é também a primeira fonte de acesso ao social pela criação que aí ocorre da capacidade para pensar.
As pré-concepções uma vez realizadas em concepções não têm um conjunto harmônico ou estável. Pelo contrário, nomeiam a instabilidade inerente ao psiquismo humano, vivenciam o teste de realidade do corpo social, transformando-se em conceitos, visões de mundo, e que produzem “quebras” de continuidade que conhecemos como “sintomas”.
Todavia, é justo dizer que a teoria das pré-concepções substitui o discurso sobre sintomas. Ao invés destes, observa-se aspectos do vínculo entre a psique da mãe e do bebê. Os produtos deste vínculo da mente do bebê com a função materna, função inicialmente nomeada de reverie, é descrito através de uma teoria de percepção básica como elementos-alfa e elementos-beta. Pensemos aqui no jogo linguístico de alfa-beta-ização, ou de aprendizado do pensar.
Os elementos alfa e beta, são basicamente conceitos vazios, uma linguagem sem significado prévio, e que dependem da experiência de quem os utiliza para adquirir um significado específico. Mas, no geral, todo significado deriva da função-alfa, extensão epistemológica e simbólica da reverie. Ou seja, os elementos-alfa resultam de um bom funcionamento da função alfa relacionando-se com os aspectos abstratos e, os elementos- beta, resultam de uma falha inevitável, relacionando-se com os aspectos concretos. De qualquer forma, não podemos perder de vista sua qualidade hipotética. Não se trata de elementos de realidade, mas de uma forma em extrema abstração para dialogar sobre percepções do analista. Isso não evita que analistas se envolvam em discussões como se esses elementos existissem concretamente. Eles são uma espécie de mito, assim como é a pulsão em Freud.
Os elementos-alfa resultam da atividade da função-alfa sobre as impressões sensoriais e emoções brutas. Na Grade localizam-se na coluna B do eixo evolutivo e, comportam todos os usos de B1 a B6. Os elementos-alfa são suscetíveis de serem armazenados como memória e de corresponderem aos requisitos dos pensamentos oníricos. Isto é, possibilitam o sonhar, o imaginar, o pensar.
Os elementos-alfa algumas vezes são discutidos como sendo semelhantes e até idênticos às imagens visuais do sonho. Portanto, correspondem ao que Freud chamou de representação de coisa, que formam o conteúdo do inconsciente capaz de se tornar consciente. Nesse sentido, os elementos-alfa são o que Lacan chamou de significantes. Mas, não se pode perder de vista que são paradigmas distintos entre os autores. Não se pode pretender dar conta de um paradigma usando o outro. Para começar os elementos envolvem incerteza e indeterminação em sua origem, são parte de um sistema complexo e aberto, o que não ocorre com a teoria específica dos significantes que provém da linguística.
Estamos na discussão de diferentes paradigmas diante do que se pode chamar de um impasse da teoria. Por um lado, a descrição de Bion se torna indistinguível de uma manipulação, como na química, de símbolos sem significado, tal como ocorre na matemática, mas se vamos para Lacan a digestibilidade psicológica da sua teoria existe às custas da perda do vigor científico, e da impossibilidade de sair de um campo restrito.
Na teoria de Lacan, o significante precede o significado, portanto, existe um plano em que atua a pura articulação do significante, onde existe o significante puro, sem significado. Se assemelha com a proposição kantiana da coisa em si, do numena. Isso coincide com os elementos-alfa que embora sendo como os significantes, um agente, de um plano inacessível, não possui a autonomia com o sentido que Lacan pretendeu dar. O elemento-alfa só opera no plano subsequente; sonho, pensar, imaginar. O plano que na Grade está descrito como categoria C.
É importante ressaltar que tanto Lacan, como Bion, ao falar de significantes e elementos-alfa, não estão falando de signos.
Num outro aspecto da teoria, a famosa fórmula lacaniana: “um significante é aquilo que representa um sujeito para outro significante”, referindo-se ao fato de que a identificação constitutiva do sujeito é a identificação com um significante, tem em Bion um entendimento distinto. Note-se que os sujeitos estão atados pelo significante de uma forma rígida, o que dá a prática uma constituição igualmente rígida, impedindo a criatividade,
Bion trabalha na prática sempre dentro da questão edípica e fala de uma versão elemento-alfa do mito edípico. Essa versão é destinada a investigar em particular cada sujeito, através do seu mito pessoal. O mito pessoal significa a história pessoal como representante da vida da pré-concepção, que significa, por exemplo, um conjunto de ações e pensamentos através da qual a criança busca estabelecer contato com a mente da mãe, e demais figuras existentes no corpo social. A união dessa pré-concepção edípica elemento-alfa com a realização dos pais ou seus representantes do corpo social, produz o conceito dos pais. Note-se a instabilidade destes vínculos mutáveis a todo momento em decorrência da complexidade do sistema. A observação só permite acatar o aqui e agora deste vínculo.
A versão elemento-alfa indica que os problemas edipianos foram atingidos, ao contrário da versão elemento-beta em que a carga emocional na realização da pré-concepção é de intensidade intolerável (por causa de conteúdos de inveja, sadismo, voracidade, etc.) e, assim, inviabiliza em vários graus a pré-concepção edípica no que ela permite de relação com o corpo social. Como resultado, a criança perde o aparelho essencial para desenvolver uma concepção da relação entre os pais e, por conseguinte, para a resolução dos seus problemas edipianos: “Não é, pois, que não se resolvam estes problemas – ela apenas nunca os atinge”. E se não atinge surgem os quadros que costumeiramente descrevemos com diversos sinônimos de alienação.
Lembro aqui de um paciente esquizoide que toda vez que a análise se aproximava de uma compreensão de seus sentimentos hostis, ele sonhava que estava “ nadando no mar para chegar na praia, mas não conseguia atingi-la”. Outras vezes ele dizia que “nadava, nadava e morria na praia”, o que ressaltava o esforço inútil da análise. Ele debochava da interpretação e dizia que se conformava com o fato de que a análise poderia ser mais uma destas situações em sua vida que resultavam em vazio de resultados. Uma série de projetos iniciados e abandonados eram uma caraterística de sua história pessoal. O problema a ser atingido nessa situação, e que claramente ele não atingia, era o ataque à sua capacidade criativa, derivado de estados mentais primitivos, tal como o encontro com a mente da mãe e depois com a mente dos pais, em que não suportava as emoções amorosas que despertavam. O encontro não ocorria pela sua dificuldade ter sentimentos.
A versão elemento-beta do mito edípico, de certo modo, aponta para o fenômeno da inviabilização do inconsciente capaz de se tornar consciente, e vice-versa, e ocorre na parte psicótica da personalidade. Bion, de certa forma, propõe que o indivíduo psicótico, ou com a parte psicótica dominante, é aquele que não tem inconsciente no sentido clássico do termo. Ele está consciente daquilo que deveria estar inconsciente, e nada consegue fazer com o que lhe é consciente. O exemplo clássico é do indivíduo indignado num concerto de violino, porque ninguém via que o músico se masturbava em público.
Deste modo, podemos também comparar os elementos-alfa, com os significantes em Lacan, no sentido que são o próprio Ser. Todavia, Lacan não tem o recurso para falar do não-Ser, como tem Bion através dos elementos-beta.
Inviabilizada a criação dos elementos-alfa surge o Não-Ser, onde operam os elementos-beta, traduzidos pelo frequente sentimento de não existência descrito pelos pacientes psicóticos. Em outro aspecto, a impossibilidade de formar elementos-alfa está ligada a impossibilidade de sonhar, assim produzindo no psicótico a impressão angustiante de que não pode estar nem dormindo e nem acordado.
A expressão elementos-beta foi criada inicialmente por Bion para discutir no campo analítico os elementos que possuem a característica de soma e psique, sem possibilidade de distinção entre os dois: “os pensamentos são coisas, as coisas são pensamentos, e todos têm personalidade”. Em certo sentido, essa formulação lembra o conceito de sistema proto-mental que Bion descreveu nos grupos. Existe também uma óbvia analogia com o conceito de narcisismo primário de Freud, que em Bion é operacionalizado por uma nova linguagem.
Os elementos-beta são teoricamente, tal como os elementos-alfa, conceitos vazios e, podem dificultar aquele leitor de Bion que faz uma tentativa de entender sua origem na função-alfa através da teoria freudiana do movimento da pulsão até o objeto. Bion tenta contornar essa dificuldade alertando para que a experiência do leitor é necessária e imprescindível para dar significado ao conceito teórico. Todavia, sem entender os distintos significados dos elementos num campo de funções, fica difícil captá-lo.
Na Grade, os elementos-beta estão colocados na categoria A do eixo desenvolvimento e, comportam no eixo uso apenas três usos: A1, A2 e A6.
No primeiro uso, A1, a categoria se define como extremamente primitiva. Por primitivo, entende-se sempre a indiferenciação entre físico e psíquico, sujeito e objeto, moral e científico. À medida que é cada vez mais saturada por indiferenciações gera concepções que não se prestam mais ao uso como pré-concepção. Não são prelúdio a uma abertura da mente para situações novas. Daí deriva o medo psicótico das situações novas e desconhecidas e o apego rígido a situações conhecidas.
A única acepção do elemento-beta que pode ser considerada como adequada ao uso, é o de fornecer uma definição, mas, como toda definição, aprisiona algo dentro de certos limites. Seu significado não se libera pela verbalização, amas pela percepção que o analista tem de estar diante de uma totalidade, uma generalização, sem tonalidade afetiva perceptível. Essa percepção, adapta-se bem a ser traduzida pelo conceito de identificação projetiva, que é o único movimento psíquico por onde transitam os elementos-beta, além do que Bion chama de evacuações, movimentos ainda mais primitivos que geram fenômenos somáticos.
Na Grade, as indicações de A1 anulam A2. Essa anulação é derivada, sobretudo, da incapacidade de A1 desenvolver-se. Porém, o analista utiliza-se de A1 para corresponder a determinadas funções de A2, naquilo em que o aprisionamento implícito em A1 impossibilita de qualquer liberação do significado, portanto, anulando a sequência possível em A3, A4 e A5. Resta, então, A6, que é a categoria descrevendo o trabalho da identificação projetiva e/ou como ação evacuatória.
O modelo clínico de Bion para os elementos-beta é basicamente a experiência vivencial da parte psicótica da personalidade, sendo necessários para diferenciar os fenômenos psicóticos dos não psicóticos.
Nas Conferências Brasileiras I (1973), pg.66, Bion diz:
“Elementos-beta são uma forma de falar acerca de um material que não é pensamento; elementos-alfa são uma forma de falar acerca de elementos que hipoteticamente supomos ser uma parte do pensamento.
O poeta Donne escreveu: ‘seu sangue puro e eloquente, falou em suas faces, como se seu corpo pensasse’. Isto expressa exatamente para mim o estágio que se interpõe, e que na Grade é mostrado no papel como sendo a linha separando os dois, que é representada pelas palavras do poeta.
O analista tem que ser suficientemente sensível durante o ato analítico para perceber essas nuanças. Minha impressão é a pergunta feita a mim está considerando exatamente esta situação de mudança de alguma coisa que não é um pensamento para alguma coisa que é um pensamento.
Na prática, o paciente às vezes enrubesce – um ato fisiológico. O analista pode sentir que o enrubescimento transmite algo. Nesta eventualidade, podemos cogitar uma linha imaginária separando o paciente do analista; um fato corporal de um fato psíquico. ”
O modelo básico utilizado por Bion, como já foi assinalado, refere-se aos elementos-beta criados na relação inicial do bebê com o seio: a criança projeta o medo da morte, o Não-Ser no continente-seio-mãe- casal de pais- social, como elementos-beta. O continente recebe a “carga emocional” e a “desintoxica”, modificando-a para a criança auferir de volta sob uma forma tolerável. Em outras palavras, o medo da morte se modifica pela capacidade de reverie, isto é, “empatia-escuta-continência materna- casal- social”, que desta forma acolhe o medo da morte e transmite outa experiência com elementos-alfa para a criança utilizar. Portanto, não é que a mãe transforma elementos-beta em alfa, isso não ocorre exatamente, o que pode ser percebido é um movimento de troca, que sugere a nova experiência. A troca necessariamente não significa um movimento entre opostos.
O processo exercido pela função materna básica (reverie), sobre os elementos-beta de uma determinada experiência, permite que uma experiência que ficou destituída de significado pelo excesso de emoção que incita o crescimento, possa numa nova experiência transformar-se em elementos que não são restritivos e expulsivos, a antiga memória da experiência é substituída pela nova experiência com elementos-alfa.
O termo elemento-beta cobre uma área de fenômenos, “tais como os pensamentos que certos pacientes psicóticos consideram indistinguíveis de coisas“... Esses tomam como “fatos” o que psicanaliticamente considera-se como fantasias.
Em resumo, a teoria matemática das funções encontra sua principal aplicação no campo conceitual de Bion através da Função-alfa[4] , que é também, como os elementos, um termo a priori destituído de significado.
Originariamente Bion pensou nessa função usando o termo dream-work alfa (Cogitations), expressão que denota uma forte correlação com o processo de elaboração onírica descrita por Freud. Porém, se ele a tivesse mantido estaria sendo incoerente com sua proposta epistemológica. O modelo da função-alfa amplia a possibilidade de investigação do campo analítico sem a presença de um significado fortemente sugestivo, como é o caso da elaboração onírica freudiana. Mas não resta dúvida que o modelo do sonho é o adotado como referencial psicanalítico básico e, como extensão do processo de reverie, que está confinado conceitualmente a relação mãe-bebê.
No geral, a função-alfa propõe para a função analítica uma ordem onírica. A sessão analítica necessita de um clima onírico/imaginativo para funcionar. O sonhar não é um fenômeno confinado ao dormir, mas uma constante do estado mental em sua busca de soluções. A função-alfa, significa antes de tudo que mais inconsciente é criado, sendo a falta dela o que incapacita o indivíduo para a vida psíquica.
Essa função que deveria ser constante na vida mental, dentro do âmbito da consulta à matemática, trata de uma sucessão não limitada, portanto, apresentando a lógica de uma divergência natural. Isto é, pela perspectiva da função-alfa toda questão em psicanálise passa a estar localizada precisamente no vínculo que o sujeito mantém com o inconsciente. Podemos ser totalmente dominados pelo inconsciente, esse é um medo comum. Todavia, podemos estabelecer outro vínculo, o que não significa eliminar o domínio do inconsciente, pois isto é totalmente impossível.
Dessa afirmativa, podemos levantar as seguintes questões: O psicanalista diante da clínica necessita sustentar questões consigo mesmo: o que deve ele fazer e dizer como psicanalista? Qual é sua função? O que a sustenta?
Esta indagação é ao mesmo tempo ética e técnica, sugerindo também que deve haver questionamento da instituição psicanalítica, pois ela pode estar presente à medida em que sugere qualquer coisa que faça parte da memória e do desejo de compreender.
O psicanalista necessita considerar o fato analítico como algo desconhecido. A única coisa que compete ao fazer do analista é saber que não sabe; ou seja, ele nada sabe sobre a situação com a qual vai defrontar.
Essa situação desconhecida é uma situação da qual não se pode fugir. Portanto, o analista deve ater-se a uma ética que dirá o que ele deve fazer, a começar não tentando ser um professor, explicar coisas, nem responder perguntas sobre fatos que devem permanecer abertos, e muito menos não deve ser nem médico e nem psiquiatra para seus analisandos.
Uma consequência constante do contato com o desconhecido é a turbulência emocional, aparecendo como produto do que de mais profundo existe e pode acontecer no vínculo entre duas pessoas, que produz fenômenos cuja origem é indecidível.
Na prática, o aspecto fundamental da interpretação e do acesso à turbulência depende da escolha do analista de certos fatos. Estes podem ser incluídos na teoria geral de fato selecionado[5].
Poincaré mostrou que os problemas são fundamentalmente diferentes conforme se trate de um sistema dinâmico estático ou não. E mostrou que os sistemas estáticos são sempre sistemas duais, enquanto os sistemas instáveis são sempre sistemas vivos com mais de três elementos. A mente humana é obviamente um sistema instável e, portanto, só pode ser concebido com três ou mais elementos.
As teorias deterministas tradicionais da psicanálise podem ser confrontadas por este vértice do fato selecionado. Se elas descrevem dualidades, nada mais são do que uma concepção de um mundo idealizado, que nega o mundo instável, evolutivo, indeterminista em que vivemos. Entende-se, assim, porque Bion ao utilizar o conceito de fato selecionado pensou nos sistemas da mente pelo vértice de sua óbvia instabilidade. Bion, incluiu o fato selecionado no movimento de oscilação entre as posições esquizo-paranoide e depressiva descrito por Melanie Klein. Transformou o que parecia ser uma teoria ondulatória pendular em uma teoria edípica, pois o terceiro é o fato selecionado.
Bion modificou a compreensão da teoria kleiniana naquilo que ela pode representar de descrição de um modelo de psiquismo idealizado. Além disso, a mente é sinônima de emoções (emoções=movimento), não podendo ser descrita senão através dos vínculos que constituem o triângulo K, L, H em respeito à própria observação clínica: a experiência emocional, um dos conceitos fundamentais do texto Aprender da Experiência.
Cada um destes vínculos apresenta suas características e propõem uma perspectiva de observação em conjunto. Tal perspectiva mais do que uma verdadeira teoria psicanalítica dos afetos (como salientou Meltzer), deve ser vista como uma saída do estruturalismo reducionista e, demanda uma nova fundamentação da problemática do mundo interno.
Bion descreve a tridimensionalidade edípica como algo que vai sendo detectado, ao mesmo tempo em que se a produz, ou seja, sempre um trabalho em andamento. “O” significa tanto uma origem (Onthos) como trabalho em andamento (Opus).
Os distintos vínculos da experiência emocional mantêm sua heterogeneidade como K, L, e H, mas são, entretanto, captados por uma conjunção constante que se identifica com o Ser da relação no aqui e agora da sessão analítica. A abordagem analítica é referida ao vínculo K, propondo uma intervenção descritiva e não explicativa, transitória e voltada para a construção de um novo sujeito.
Nessa concepção de análise, que vai se afirmando gradualmente, o tempo deixa de ser vivido passivamente (tal como poderíamos inferir pela hermenêutica kleiniana dirigida para a infância precoce e derivada de conceitos como a identificação projetiva). A temporalidade da análise é objeto de transformações qualitativas. O processo analítico não é mais interpretação transferencial de sintomas em função de um conteúdo latente preexistente, mas a criação imaginativa de novas perspectivas suscetíveis de acrescentar algo mais a vida do sujeito. O veículo das transformações é a capacidade ampliada para pensar, móvel originário do vínculo K. Trata-se daquilo que é capaz de “passar à existência”, conceito encontrado no sentido original da palavra techné, conciliando o caos e a complexidade. Entenda-se que o termo caos não é usada aqui como a pura indiferenciação; ele possui uma trama ontológica específica que pode significá-lo exatamente como o contrário – a diferença última.[6] O caos está povoado de entidades virtuais, potenciais, e de modalidades de alteridade que não tem nada de Universal, mas é fruto de complexidade.
AMPLIANDO A CRÍTICA
A consulta feita por Bion ao pensamento científico, tendo como base o pensamento científico de Poincaré[7], inevitavelmente mostrou-lhe a diferença entre uma ciência tradicional e uma nova ciência. Enquanto a primeira descreve um mundo idealizado e estável, a segunda refere-se a um mundo instável e evolutivo, muito mais próximo ao mundo em que vivemos. Esta distinção levou-o a pensar numa semelhante diferença para a psicanálise, estabelecendo um confronto crítico entre as teorias “tradicionais” e a possibilidade de uma “nova” teoria tendo por base a instabilidade inerente às instâncias psíquicas.
A instabilidade psíquica, ou turbulência emocional, como critério decisivo da crítica de Bion à psicanálise tradicional, pode ser observada em vários pontos:
1) Instabilidade devida ao historicismo: em sua lógica interna, o doutrinal de ciência, não é historicizante; demonstra-o a existência de uma teoria do sujeito que percorre os elementos da psicanálise.
2) Instabilidade devida à noção de matematização. É preciso que esta seja entendida como literalização não quantitativa, linguagem a serviço da poiesis e do vínculo K.
3) Instabilidade devida à contradição entre ciência ideal oriunda da episteme grega, presente no determinismo biológico de Freud, e o ideal da ciência do que rejeita essa mesma episteme. A influência de ideias, como as de Karl Popper, Niels Bohr, Heisenberg é provável neste ponto. Todos falam de um discriminante diretamente oposto à axiomática minimalista. São ideias que seguem um sistema aberto, regido pela incerteza, a tentativa de criar para uma teoria indeterminista – que aparece com mais clareza a partir do texto Transformações (1965).
4) Instabilidade devida às insuficiências de precisão que marcam os elementos da psicanálise. Apresentação de um estado que requer criação.
5) Instabilidade devida à evolução da psicanálise em confronto com uma “psicanálise” acabada nos dois sentidos da palavra: simultaneamente realizada e estéril.
O modelo clínico significativo de instabilidade psíquica descrito em Learning from Experience (1962) é a Reversão da Perspectiva. Bion refere-se aos analisandos que parecem aceitar uma interpretação, porém, ao mesmo tempo, rejeitam algumas premissas e as substituem outras. Como isto ocorre “silenciosamente”, o analista pode não perceber a instabilidade (turbulência emocional) causada pela interpretação e deixar escapar o aspecto mais significativo: a evidência de sofrimento psíquico.
Bion compara esse processo ao desenho gestáltico da famosa figura de Edgar Rubin: enquanto uma pessoa pode perceber um vaso, outra pessoa pode perceber dois perfis. O significado dado a uma forma somente se estabelece quando esta constitui a figura do campo visual, que desaparece quando se torna fundo. Por exemplo, quando a parte psicótica da personalidade predomina, o analisando atua destrutivamente na hipótese do analista, tornando estática uma que deveria ser situação dinâmica. A visão favorável do crescimento é, então, substituída por uma visão que impede o crescimento psíquico[8].
O analisando pode recorrer também a alucinações fugazes para preservar temporariamente sua capacidade de reverter a perspectiva, mas com frequência o que ocorre é o apego a uma ambiguidade da linguagem, ou a uma entonação do analista, para atribuir uma conotação diversa (em geral moralista, recriminadora ou crítica) daquela que o analista tentou transmitir. Por exemplo, o analisando pode entender uma interpretação como se fosse uma crítica depreciativa do analista ao seu pensamento ou comportamento.
Esse problema deve ser diferenciado da negação deliberada. A origem da reversão da perspectiva deve ser buscada na organização patológica que provém da instabilidade produzida pela interação entre as partes psicóticas e não psicóticas da personalidade. Tal organização traduz-se pela repetição de um vínculo em que predomina o sadismo do superego atuando contra a compreensão (vínculo -K). A descrição da transformação em alucinose abrange bem esses fenômenos.
Bion descreve um paciente que revertia a perspectiva toda vez que o material analítico apontava para o mito edípico (sobretudo, para as fases primárias do Édipo, relativas as identificações sob a égide do sadismo primitivo). Aqui nova diferenciação deve ser feita com a teoria do Édipo e suas várias formações que na Grade pertencem às categorias F4, G4, F5, G5. O mito pertence à categoria C. Portanto, diferenciar conceito de pensamento imaginativo, ou diferenciar conjecturas racionais de conjecturas imaginativas.
No caso do paciente, a hipótese a ser trabalhada é a existência de uma falha na união das preconcepções com as realizações que lhe são próximas; em consequência o elemento não saturado permanece inalterado. Assim, o paciente não tem que discordar do analista nem experimentar conflitos edípicos: apenas reverte a perspectiva. A teoria de Bion adverte para a tentativa do analisando de esconder ou negar a instabilidade psíquica (turbulência emocional).
Em outro sentido, podemos dizer que a cena primária exemplificada por um problema a ser elaborado, para que ocorra crescimento emocional, não é atingido pelo fato de que no mundo interno, o analisando vê a mãe como imagem de fundo e o pai como superfície, ou vice-versa. Ambos existem como elementos distantes um do outro. Não se casam.
A reversão da perspectiva cria a certeza para o paciente de que não será admoestado pelo confronto com a tragédia humana: a busca de uma verdade que não pode ser encontrada, e que só pode ser sanada pela criação de novos vínculos que aceitem emocionalmente esse fato da vida. O ato concreto da fala, a ação de simplesmente falar por falar, ilude com a possibilidade de dissociar o ato de ser do ato de sentir. Nesta situação, ao dizer “Eu penso”, o paciente usa para si uma fórmula equívoca: “Por fingir pensar eu sou”. Tal diferença é decisiva, pois evita o aproximar do “Eu penso” com o “Eu sinto”. Num outro sentido, equivale dizer que confrontado com o “Eu sou”, o indivíduo que reverte a perspectiva chega ao “Eu minto” para coincidi-lo com o “Eu Penso”.
Outro modelo significativo de instabilidade psíquica é a tela-beta. Em contraposição ao conceito de barreira de contato, produto da proliferação dos elementos-alfa, Bion postula uma tela-beta consequente a uma proliferação de elementos-beta.
A tela-beta não realiza a divisão da barreira de contato entre consciente e inconsciente. Essa divisão se torna oscilante, não oferecendo resistência à passagem dos elementos de um lado para o outro. Isso leva ao desenvolvimento falho ou anômalo da capacidade de notação (memória seletiva) havendo predomínio da identificação projetiva e de elementos-beta incapazes de se conectar para formar significados temporais ou espaciais – há perda da noção de causalidade ou impossibilidade de atingir a posição depressiva.
Na clínica, a tela-beta apresenta-se indistinguível de um estado confusional e, em particular, de qualquer classe de estados confusionais que se assemelham aos sonhos, mas são na realidade simulacros. São eles:
1) O derrame de frases e imagens desordenadas, levando à suposição de que se o paciente estivesse dormindo, certamente acreditaria que ele estava sonhando.
2) O tagarelar semelhante e sugestivo da simulação de um sonho.
3) O palavrório confuso que parece uma evidência de alucinação.
4) O palavreado confuso que é sugestivo da alucinação do sonho.
Todos os quatro estados relacionam-se com o terror de que a posição depressiva desencadeie um superego assassino, ou seja, a vivencia de que a ausência do objeto é mortal. Esta fantasia faz com que o sujeito se livre da perseguição exteriorizando na transferência a experiência emocional em que esse superego pode ocorrer. Daí que a tela-beta apresenta a capacidade de promover a reação específica que o paciente deseja para defender-se ou, por outro lado, produzir no analista uma resposta fortemente carregada de contratransferência.
Em virtude da tela-beta, o paciente psicótico apresenta a habilidade de estimular as interpretações saturadas ou gerar respostas que se relacionam menos com sua necessidade de ser ajudado pela compreensão fornecida pela interpretação analítica, e mais com a necessidade de produzir um envolvimento emocional já descrito como precipitado, prematuro e, inadequado.
Entenda-se este envolvimento como a diminuição da diferença entre analista e analisando, pelo bloqueio causado pela evacuação de elementos-beta sobre a capacidade intuitiva do analista que, em consequência, perde a percepção da parte psicótica atuante no analisando. O material nestas circunstâncias torna-se “pobre” e, o analisando procura induzir o analista a extrair “cura” deste material.
A reflexão contida nos dois modelos clínicos emerge numa crítica que abrange todas as teorias psicanalíticas:
“As teorias psicanalíticas têm sido rotuladas de não científicas pelo fato de serem abstrações de um material clinico observado. Por um lado, são excessivamente intelectualizadas, isto é, demasiadamente abstratas para revelar a prática e, por outro lado, muito concretas para descrever como o analista conseguiu unir sua abstração com a observação”.
Em resumo, algo de uma essência sempre se perde quando o fato clínico observado sofre uma transformação para o discurso teórico. No cap.II ele prossegue:
“As teorias analíticas padecem da desventura pós-formulação e pós-compreensão. Elas dependem dos elementos usados em sua confecção que necessitam ter um valor fixo, uma constante, através da associação que fornecem com outros elementos da teoria”.
Bion, também esclarece que observar um objeto produz os sentimentos de abandonar e ser abandonado pelo objeto; por isso o sentimento de solidão pressupõe que observar é um ato doloroso. De imediato podemos pensar que a história de cada observador faz diferença na observação, pois produz memórias e desejos perante o fato a ser observado. Desse modo, um levantamento dos elementos da psicanálise que descrevam aqueles fatos que podem estar presentes em qualquer interpretação analítica, independentemente do analista que a formulou, parece tarefa impossível. O trajeto para compreender esta intenção passa pelas duas concepções de inconsciente derivadas de distintos doutrinais de ciência: a concepção hiperestrutural e a concepção espectral. Mas esta distinção vai mais além. Ela está implícita em duas posições epistemológicas totalmente distintas que estão presentes na obra de Bion. A primeira que podemos chamar de “wittgensteiniana” em confronto com outra “heideggeriana”.
Nos textos que privilegiam aspectos “epistemológicos”, como Aprender da experiência e Elementos de Psicanálise, encontramos uma maior evidência da posição wittgensteiniana assumindo o lógico da língua técnico-científica[9]. Anti-especulativa, esta posição possui uma mentalidade implícita que vem desde Ockham, e que através de Hobbes, Locke e, sobretudo, Hume veio dominando o nominalismo inglês, e a crítica fundada na análise lógica da língua, que começou a florescer em Boole, Frege, Russell, Whitehead, Pierce e Moore, e convergiu em Wittgenstein numa suspeita cética: toda metafísica, sendo destituída de sentido, é uma insensatez oriunda de uma incompreensão lógica da língua de nossos discursos.
A epistemologia wittgensteiniana se articula através das seguintes teses principais:
a) Dicotomia entre ciência e vida. Ciência é exclusivamente ciência exata, isto é, hipotético-dedutiva (ciência real) e axiomático-dedutiva (ciência formalizada).
b) Alternativa de análise-tautologia e síntese-empiria. O discurso das ciências formalizadas é analítico e tautológico, enquanto o discurso das ciências reais é sintético e empírico. Fora destes dois tipos de discurso não há sentido, toda ciência, impossível.
c) Sobre as relações entre estas duas ordens de ciência não poderá haver discurso, uma vez que tais discursos não seriam nem sintético-empíricos, nem lógico-analíticos.
d) Critério de sentido. A referência aos fatos, próprio dos discursos empíricos, terá de ser verificada. Deve-se demonstrar que aos discursos das ciências reais corresponde uma experiência real ou possível. Tais demonstrações são os “discursos de base” em que se observam e protocolam os dados.
A segunda posição que podemos chamar de heideggeriana está implícita em algumas passagens de todos os textos “epistemológicos”, mas floresce plenamente apenas a partir de Transformações. O pensamento de Heidegger segue a filosofia especulativa, de formação clássica e filológica, empenha-se em repetir toda a tradição metafísica, visando não competir, mas saber até que ponto pode dispensá-la. Neste empenho, a ciência moderna, em seu modo de reflexão técnico-matemático não lhe serve como modelo, mas é entendida como um sintoma cultural. Entende Heidegger que na globalização, a metafísica celebra na decadência vigente do pensamento, o maior triunfo de seu domínio histórico.
Por outro lado, ambas as posições podem fazer emergir o vigor do que Carneiro Leão[10] chama de Pensamento Radical, porque remetem às raízes possíveis presentes nas ideias, para recolocar o pensar: enfrentando o pensado, o pensamento se enfrenta a si mesmo. Para pensar, vivemos o paradoxo de uma retirada. Pensar significa que alguma maneira, necessitamos retirar de si mesmo e do pensado sem nunca conseguir fazê-lo de todo. O Pensamento Radical é o que encontramos em Keats com a expressão Capacidade Negativa. Ele coloca um paradoxo para alcançar a originalidade. No caso da psicanálise podemos apontando para s questões: o que se cria no processo analítico? De onde se origina esta criação?
As questões filosóficas acima implícitas em Bion podem ser assinaladas pela questão do Ser. Que é a filosofia dominada por Heidegger.
Nos dois textos Teoria do Pensar e Aprender da Experiência, Bion tenta dar conta destas questões através do modelo da pré-concepção. O movimento é bem simples. O processo analítico pode criar novas concepções ativando pré-concepções. Se as concepções conservam o vigor das pré-concepções originárias, a criação prossegue na formação de conceitos e, assim sucessivamente até a formação de sistemas dedutivos científicos.
O modelo da matemática das funções, empregado na formulação de um eixo evolutivo das pré-concepções, está sistematizado na Grade. Como qualquer função os elementos possuem uma parte invariante e uma parte variável.
Toda função indica vínculo, que indica observação, que indica acertos e falhas. É a trama entre os vínculos, que constituem a concepção fundamental a ser investigada e interpretada.
No modelo da Grade podemos identificar ideias relacionadas a um modelo hiperestrutural wittgensteiniano, o que coloca uma ambiguidade fundamental, um impasse metodológico, e que pode fazer com que Bion, neste ponto, seja difícil de ser entendido, pois se confirma o hiperestruturalismo, a Grade precisa busca um minimalismo de propriedades em enunciados simples:
“Os elementos que procuro são tais que relativamente poucos são necessários para exprimir, em combinações diferentes, quase todas as teorias essenciais ao trabalho do analista. ”
Em outras palavras, a intuição de Bion concebe o inconsciente como espectro infinito de possibilidades, em demanda crescente de compreensão e formação de vínculos, mas a Grade ao sistematizar o campo analítico é aparentemente hiperestrutural e tem elementos que não fazem parte da psicanálise como é o caso do Sistema dedutivo científico e do cálculo algébrico.
Deste modo, enquanto o sistema Grade tem a intenção de compreender o inconsciente se manifestado numa sessão de análise pela perspectiva do analista, a partir de um número mínimo de propriedades (os elementos da psicanálise), o modelo espectral aponta para o contrário desta proposição. Assim, quem nunca teve contato com a Grade logo se confunde com as duas proposições opostas. Provavelmente foi este impasse que levou Bion a abandonar o modelo e usá-lo para construir uma Grade avançada. Todavia, a experiência foi única na história da psicanálise e pode ser entendida de outras formas mais simples.
Mas é sempre importante levar em conta no entendimento dois fatores:
1- A questão particular da função na forma da Grade.
2- A questão geral da matemática pura e o status que tem na obra de Bion.
Ambas as questões estão contidas em todas as indagações dos elementos e, definem a oscilação dentro do texto entre a prática (particular) e a teoria (geral). Além disso, ambas as questões se cruzam uma vez que a questão particular repousa sobre teses matemáticas, como é o caso dos termos função e fator que definem a linha inicial de pensamento do texto.
NOTAS:
[1] - Vullemin, J. (1994) L’intuitionisme Kantien, Vrin, Paris
[2] - Poincaré, Henri Jules (1854 – 1952) - Engenheiro, professor de astronomia e mecânica celeste, publicou cerca de 500 trabalhos em todas as áreas da matemática pura e aplicada, fornecendo bases filosóficas da observação matemática. Defensor da ciência como principal objetivo da humanidade, escreveu: “A busca da verdade deve ser o objetivo de nossa atividade; é o único fim digno dela..., entretanto, a verdade nos amedronta. E de fato sabemos que por vezes ela é decepcionante, é um fantasma que só nos aprece para fugir sem cessar, e que é preciso persegui-la até mais e mais adiante, sem jamais conseguir atingi-la...”. Nas conferências de 1974, Bion faz uma articulação entre Poincaré e Freud: “Freud disse que é importante ser capaz de observar, prestar atenção ao paciente, escutar o que está ocorrendo até que um padrão emerja. Poincaré disse que uma porção de fatos despercebidos, sem sentido e desconexos, quando eram contemplados por um tempo suficiente, faziam-no pensar em uma fórmula matemática; aí ele se dava conta de que a fórmula explicava muitos fatos anteriormente não explicados e, então se tivesse sorte poderia também explicar diversos fatos que não tinham sido considerados”.
[3] - Esta forma de colocar a questão deve-se a Castoriadis, C. (1990) As Encruzilhadas do Labirinto, vol. III, Paz e Terra, Rio de Janeiro.
[4] - Uma função pode ser definida como a correspondência entre os elementos de dois conjuntos; cada elemento desses conjuntos é uma variável. Bion visualizou a possibilidade de empregar o conceito para investigar os processos de pensamento. Pensar é uma função acionada pelos pensamentos. A teoria das funções coincide com o esforço de Lacan para apresentar as estruturas psicanalíticas sob a forma de matemas. Isto é feito em razão de reconhecer que o sujeito se constitui a partir de uma estrutura significante que parece ter todas as características formais das estruturas e da escrita matemática. As matemáticas se afiguram então, para a psicanálise, como ocorreu com outros saberes em sua entrada na ciência, como um modelo de rigor, “metalinguagem ideal”, de acordo com Lacan, se nos fosse possível falar em metalinguagem e se a escrita fosse uma linguagem. Ao menos a escrita matemática seria a escrita pura, não saturada de saber, forma ideal de todo saber. Mas, a análise da escrita da ciência leva-o a abandonar este modelo pelo saber analítico, o que implica em constituir os matemas de uma forma diferente da ciência. Nesse processo, Lacan retoma e rescreve as 4 proposições da lógica formal (a universalidade afirmativa, a particular negativa, a universal negativa e a particular afirmativa).
[5] - No cap.23 do texto, a citação de Poincaré do livro Ciência e Método, explica o processo de criação da fórmula matemática através do fato selecionado. O fato selecionado é o que permite na realização ligar os elementos que até então não tinham ligação: “Pode-se ver, por conseguinte, que as representações dos fatos selecionados apresentam coerência semelhante quando se descobre a representação própria de determinados fatos selecionados. Os fatos selecionados, junto com o fato selecionado que parece imprimir coerência a determinados fatos selecionados, emergem do objeto psicanalítico ou de séries destes objetos, mas não se formam segundo os princípios que governam o sistema dedutivo científico. Antes que ele possa criar tal sistema busca-se elaborar os fatos selecionados por processos racionais conscientes...o fato selecionado é o nome da experi6encia emocional da sensação de descoberta de coerência. Sua significação é, portanto, epistemológica e não se acredita que seja lógica a correlação dos fatos selecionados”.
[6] - Chuster, A. (1997), “The Myth of Satan- an aesthetic view of Bion’s concept of transformation in O” – trabalho apresentado no Congresso Internacional sobre a Obra de Bion, Turim, Itália. [7] - Em Cogitations: Fica claro que se é a busca pelo fato selecionado que marca a transição da posição EP para D (Poincaré, Science and Method e Braithwaite, sobre a teoria da causação), então muito depende da natureza dos elementos que são percebidos de forma coerente na descoberta do fato selecionado e, do equipamento do observador, ou de acordo com Poincaré, do que seleciona o fato harmonizante. Para um religioso o fato selecionado pode ser bem diferente de um médico.
[8] - John Eccles, que em 1977 escrevera um livro com Karl Popper(The Self and its brain), apresentou um desdobramento das ideias no livro How the Self controls its brain, seqüência das questões apresentadas no artigo de 1992, escrito em conjunto com o físico alemão Friedrich Beck( Quantum aspects of brain activity and the role of consciousness). Nestes artigos realiza-se forte objeção ao dualismo psíquico, assinalando que ele viola a conservação de energia: se não tem existência física, como é que a mente pode causar mudanças físicas no cérebro ou em outras partes do corpo? A resposta para eles provém do fato de que as células nervosas do cérebro disparam, quando carregadas, moléculas ou íons acumulados numa sinapse, levando a liberação de neurotransmissores. Mas a presença de um dado número de íons numa sinapse nem sempre desencadeia o disparo de um neurônio. A razão, segundo Eccles, é que pelo menos por um instante, os íons existem numa superposição de estados quânticos: em alguns estados o neurônio dispara, em outros não. A mente exerce sua influência no cérebro “decidindo” quais os neurônios vão disparar e quais não vão. Como a probabilidade é conservada por todo o cérebro, esse exercício de livre-arbítrio não viola a conservação da energia. Ainda numa tentativa geral, seguindo as ideias de Beck e Eccles, Crick concebe o cérebro funcionando como um imenso campo dimensional reagindo a estimulação por certa dimensão de neurônios que disparam rapidamente em sincronia. Essas dimensões são oscilantes comparáveis ao modelo da reversão da perspectiva: enquanto um grupo de neurônios, como num coral canta “vaso”, outro grupo canta “rostos”.
[9] - No seu Tractatus e nas Investigações Filosóficas, que valem como documentos clássicos da Filosofia analítica nos círculos do que se poderia chamar de Epistemologia Dogmática.
[10] - Aprendendo a Pensar, Vozes, Petrópolis, 1977.



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